Participação do público em sessão extraordinária(covid-19)

Parecer Jurídico

Consulente:

Assembleia Municipal de

 

Data: julho/2020

 

Palavras-Chave:

  1. Situação de pandemia;
  2. Presença de público nas sessões;
  3. Sessão extraordinária;
  4. Participação do público na sessão extraordinária.

Questão:

A AM de …. questiona esta ANAM sobre a possibilidade de realização de sessão extraordinária da AM, presencialmente, sem a presença de público, neste mês de julho.

 

Discussão:

A situação de pandemia em que vivemos é absolutamente excecional no Estado de Direito Democrático e desafia a todos a uma interpretação cautelosa da legislação, vasta, publicada neste período.

Também ao longo deste período, que ainda vivemos, as Autarquias Locais são, foram, amiúde, chamadas ao esforço coletivo para que estamos, todos, convocados – impondo-se, também em relação a estas, um esforço, tantas vezes acrescido, de adaptação a esta nova realidade.

Neste contexto, apenas um breve apontamento em jeito de enquadramento:

A Assembleia Municipal é um órgão deliberativo cujas competências, regime e funcionamento estão definidas com alguma amplitude na lei, designadamente na Lei nº 75/2013, de 12 de setembro – cf. os seus artigos 24.º e ss..

A Assembleia Municipal funciona em sessões, que podem ser ordinárias ou extraordinárias, sendo certo que, os órgãos deliberativos, como este, podem reunir mais do que uma vez no decurso da uma sessão (cf. artigo 46.º da lei n.º 75/2013) – ou, dito de outra forma, cada sessão pode comportar mais do que uma reunião.

São cinco as sessões ordinárias anuais, em fevereiro, abril, junho, setembro e novembro ou dezembro, convocadas com uma antecedência mínima de oito dias por edital e por carta com aviso de receção ou protocolo – cf. o disposto no artigo 27.º, do sobredito diploma legal.

A Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, veio permitir o seguinte: “As reuniões ordinárias dos órgãos deliberativos e executivos das autarquias locais e das entidades intermunicipais previstas para os meses de abril e maio podem realizar -se até 30 de junho de 2020” – cf. o artigo 3.º, nº 1, do sobredito diploma.

Mais ainda, “a obrigatoriedade de realização pública das reuniões dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias e dos órgãos deliberativos das entidades intermunicipais, (…) fica suspensa até ao dia 30 de junho de 2020, sem prejuízo da sua gravação e colocação no sítio eletrónico da autarquia sempre que tecnicamente viável” – cf. o nº 2.

Ainda,

E outrossim, nos termos do nº 3 do mesmo artigo: “até dia 30 de junho de 2020, podem ser realizadas por videoconferência, ou outro meio digital, as reuniões dos órgãos deliberativos e executivos das autarquias locais e das entidades intermunicipais, desde que haja condições técnicas para o efeito”.

O novo contexto significou – o que não pode deixar de saudar-se – a introdução das novas tecnologias no contexto das AM – fator que se espera potenciador e fomentador da participação democrática.

Feito este enquadramento, e volvendo à concreta questão: o legislador limita as restrições à assistência à AM à data de 30 de junho. Trata-se, a nosso ver, numa medida que se estriba na situação, mais gravosa, vivida no país que, à data, de hoje, e apesar da permanência de certas limitações, já não se justifica.

Recorda-se que a AM é casa da democracia local por excelência e, como tal, é de particular importância e acuidade a presença, participação e envolvimento do público.

Não há, pois, estribo legal para a limitação que vai propugnada, pelo que ela não deverá ter lugar.

Sem embargo, cumpre-nos recordar que, considerando o quadro legislativo supra enunciado, cabe ao Presidente da AM, no exercício das suas funções, em estreita colaboração com a Câmara Municipal, quando assim se justifique, e no exercício do diálogo que sempre se impõe, providenciar pela obtenção de meios para a realização da sessão em cumprimento das normas propugnadas pela DGS.

De resto, o Presidente da AM e a respetiva mesa, garantes das condições de funcionamento da AM, poderá, inclusivamente, recolher o parecer a este respeito, da entidade de saúde local, v.g., do Delegado de Saúde e, até, quando se justifique, da proteção civil municipal.

Sem embargo do que antecede, cabe-nos recordar que se trata de uma sessão extraordinária e, como tal, merece um tratamento próprio, também no que atine à participação (e não quanto à presença tout court) de público – distinção que aqui pode ter importância sobretudo no que atine a questão logísticas e de organização de espaço.

Com efeito,

As sessões extraordinárias encontram-se previstas no artigo 28.º da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro.

Dispõe aquele preceito legal o seguinte:

A assembleia municipal reúne em sessão extraordinária por iniciativa do seu presidente, da mesa ou após requerimento:
a) Do presidente da câmara municipal, em cumprimento de deliberação desta;
b) De um terço dos seus membros;
c) De um número de cidadãos eleitores inscritos no recenseamento eleitoral do município equivalente a 5 % do número de cidadãos eleitores até ao limite máximo de 2500
.” – realce nosso.

Com efeito e na verdade, como inculca a própria designação, a Assembleia é extraordinária a título excecional e contanto que reunidos os requisitos legais para a sua convocação – que são aqueles acabados de elencar no preceito que vais transcrito.

A questão que vai colocada a esta ANAM é, contudo, mais abrangente e mais densa. De facto, e em apertada síntese, cumpre-nos aferir da possibilidade de intervenção (id est, participação) do público numa AM extraordinária.

Vejamos, pois:

Resulta da Lei – cf. o artigo 28.º acabado de citar – a possibilidade de intervenção de cidadãos requerentes da AM extraordinária. Ocorre, porém – ressalvado o devido respeito por diverso entendimento – que estes requerentes não intervêm na qualidade de público, mais nessa mesma qualidade: a de requerentes da AM.

Já a Lei nº 169/99, de 18 de setembro, na sua versão original, dispunha a possibilidade de, em caso de a reunião ser requerida por cidadão eleitores, poderem estes participar através de dois dos seus representantes. 

Da leitura conjugada dos dois preceitos e da respetiva contextualização, resulta sobejo que esta participação não é tout court, uma participação do público, mas, sim, na qualidade de requerentes da reunião. A participação do público é, aliás, livre (isto é, não está condicionada à ordem de trabalhos), no que, in casu, se distingue desta intervenção, a dos cidadãos requerentes.

Na verdade, a lei é silente quanto à intervenção do público numa AM extraordinária – o que pode justificar-se, justamente, pelo caráter absolutamente excecional destas Assembleias – conotadas e previstas que estão com o debate de assuntos urgentes, que, na senda das melhores regras da experiência comum, não se compadecem (ou não se compadecerão) com delongas – v.g., com a intervenção do público.

Repisa-se, pois, que o silêncio da lei pode – e deixa – espaço para a discussão desta concreta questão.

Se assim é, como parece inequívoco em face do silêncio da lei relativo a esta matéria, não é menos verdade que – como aliás vem sendo entendimento desta ANAM – que as Assembleias Municipais são casa da democracia e espaço de excelência do debate político.

Assim, consideramos boa prática que, também nas sessões extraordinárias, haja lugar a intervenção do público, cabendo sublinhar que é ao Presidente da Assembleia Municipal quem cabe disciplinar os trabalhos, podendo este, no exercício dos seus poderes, permitir a intervenção do público também nas AM extraordinárias, sendo nosso entendimento e boa prática que tal participação deve acontecer sempre, mesmo no atual contexto e sempre sem prejuízo das necessidades de garantia da segurança e salubridade  públicas.

O Regimento desta AM, nomeadamente o respetivo artigo 17.º, resolve esta omissão legal, permitindo a intervenção do público nas sessões extraordinárias.

Assim, e em síntese, o público pode não apenas estar presente, como participar (intervir) na aprazada sessão, havendo de garantir-se as necessárias condições de segurança para esse efeito.

Conclusão:

  1. A lei, que é excecional, apenas permite limitação à presença de público até à data de 30 de junho;
  2. Findo esse período, as sessões da AM devem realizar-se com respeito pelas normas de salubridade pública, em espaço adequado, que permita o decurso normal dos trabalhos;
  3. O Presidente da AM e respetiva mesa devem granjear as condições necessárias no sentido possibilitar à AM um espaço onde possam realizar-se as sessões com respeito pelas normas de segurança e sem descurar a dignidade das sessões;
  4. Tratando-se de uma AM extraordinária, o Regimento desta AM possibilita, também, a participação (intervenção) do público que, como tal, deve ser devidamente acautelada.

Sendo tudo o que nos cumpre informar.

A Advogada,

(Magda Rodrigues)