Registo do voto de qualidade na ata e Validade das deliberações

Parecer Jurídico

Consulente:

Assembleia Municipal de

 

Data: dezembro/2024

 

Palavras-Chave:

  1. Registo do voto de qualidade na ata;
  2. Validade das deliberações;
  3. Voto de qualidade.

 

Questão:

A AM Consulente solicita parecer, apresentando, para o efeito, o seguinte quadro factual:

“Na reunião extraordinária de 28/11/2024 da Câmara Municipal de Manteigas, foram presentes o Orçamento, as Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2025 e as Normas de Execução Orçamental para 2025.

No momento da votação, o Presidente e o Vice-Presidente votaram a favor, dois Vereadores votaram contra e uma Vereadora absteve-se, nos termos da minuta de deliberação anexa.

A minuta da deliberação foi-me remetida para agendamento da próxima reunião ordinária da Assembleia Municipal.

Nem na reunião nem na minuta de deliberação existem registos explícitos do voto de qualidade do Presidente, podendo admitir-se incerteza jurídica quanto à validade da deliberação tomada pela Câmara Municipal, que se pretende esclarecer quando o assunto for apreciado na reunião da Assembleia Municipal de 20 de dezembro próximo.

Poderá considerar-se, como foi formulado pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral a páginas 596 do Curso de Direito Administrativo, 2a edição, I Volume, que “havendo empate, considera-se automaticamente desempatada a votação, de acordo com o sentido em que o Presidente tiver votado”.

Esta tese, desmentível em casos concretos recentes, pressupõe que o Presidente não altera o seu voto quando utiliza o voto de qualidade.

No entanto, em 22/12/2023, o então Presidente da Assembleia Municipal, na votação de idênticos documentos, absteve-se na votação, verificando-se um empate, com seis votos a favor, seis contra e sete abstenções. Invocando a prerrogativa do voto de qualidade, o Presidente da Assembleia mudou o sentido do voto, votando a favor.

Na reunião ordinária de 26 de abril de 2024, aquando da votação das contas de gerência do ano de 2023, verificou-se novo empate, tendo o Presidente da Assembleia votado contra. A validar-se a tese do Prof. Freitas do Amaral, as contas da Câmara estariam automaticamente chumbadas, noentanto o Presidente da Assembleia, no uso do voto de qualidade, alterou o sentido de voto, tendo aprovado as contas da gerência de 2023.

Pode, então, considerar-se que houve aprovação na votação pelo simples facto de o Presidente de Câmara ter votado a favor?

Se a votação resultou em um empate e o Presidente não mencionou verbalmente que iria exercer o voto de qualidade, está comprometida a validade da aplicação do voto de qualidade nessa situação específica?

Se a minuta da deliberação não menciona o voto de qualidade, isso pode indicar que não houve um reconhecimento formal desse direito no momento da votação?

O orçamento foi, de facto, aprovado?”

Discussão:

Os órgãos representativos do Município são a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal, que, enquanto órgão deliberativo, vê as suas competências, regime e funcionamento definidos, com alguma amplitude, na Lei, designadamente no Anexo I da Lei n.o 75/2013, de 12 de setembro, na sua redação atual (breviter, RJAL) – cfr. os seus artigos 24.o e ss.

Nessa senda, “eleitos locais” são, nos termos do disposto no artigo 1.o, n.o 2 da Lei n.o 29/87, de 30 de julho, na sua redação atual (doravante, EEL), os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias.

A questão em apreço reconduz-se, fundamentalmente, à possibilidade de o sentido do voto de qualidade do Presidente, emitido por se verificar um empate na votação, poder ser diferente do sentido exprimido anteriormente, enquanto eleito local e, ademais, se o sentido de tal voto de qualidade carece de registo explícito.

Ora, dispõe o n.o 2 do artigo 54.o do RJAL que as deliberações são tomadas à pluralidade de votos,

tendo o presidente Voto de qualidade em caso de empate, não contando para o apuramento da maioria as abstenções, entendimento esse sufragado também pelo Regimento da AM Consulente.

No caso de empate em votação por escrutínio secreto, procede-se imediatamente a nova votação – caso, ainda assim, se mantenha o empate, a deliberação deverá ser adiada para a sessão ou reunião seguinte, procedendo-se a votação nominal se na primeira votação desta sessão ou reunião se repetir o empate (cfr. n.o 4 do artigo 55.o do RJAL). Aliás, o Regimento desta AM dispõe, no n.o 2 do seu artigo 39.o que, persistindo o empate, tal equivalerá a rejeição.

In casu, colocam-se-nos várias perspetivas e, ainda que a competência e funcionamento dos órgãos executivos se encontre fora das atribuições desta ANAM, o cerne da questão será, portanto, o que significa, efetivamente, “voto de qualidade”.

A Doutrina tem entendido, como bem refere a AM Consulente, que o voto de qualidade se traduz no sentido de voto emitido em primeiro lugar pelo Presidente, havendo jurisprudência – ainda que não referente às regras por que se regem as Autarquias Locais – que vai no mesmo sentido; i.e., o sentido de voto emitido pelo Presidente aquando da votação “inicial” será aquele que permite desempatar o resultado, entendimento esse que também acompanhamos, dada a letra da Lei – concretamente, o n.o 4 do artigo 55.o do RJAL, do qual se retira que o voto de qualidade do Presidente, em caso de empate, será efetivamente o primeiro voto emitido. Na verdade, fazendo uma interpretação analógica com o n.o 1 do artigo 33.o do Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA), que dispõe que “[e]m caso de empate na votação, o presidente tem voto de qualidade, ou, sendo caso disso, de desempate (…)”, daí se retira existir dois expedientes: (i) o voto de qualidade, no sentido anteriormente emitido; (ii) o voto de desempate quando, por exemplo, o Presidente se tenha abstido anteriormente.

Como tal, a solução pugnada pelo RJAL não se poderá sufragar nestes casos, i.e., quando o Presidente, anteriormente, se tenha abstido – ainda que a abstenção seja considerada uma manifestação de vontade, tendo o Presidente Voto de qualidade aquando de empate, não pode o órgão permanecer num impasse.

Isto dito, no vazio da Lei, deverá o órgão da autarquia local, estipular meios e métodos de proceder ao desempate na votação – seja mediante a repetição da votação, seja mediante a 4 emissão de “novo” voto de qualidade pelo Presidente – o que, no caso, sempre será considerado um voto de desempate – em estrito respeito por critérios de boa-fé, razoabilidade e imparcialidade.

Veja-se, no entanto, que o Presidente vota em último lugar (cfr. n.o 2 do artigo 55.o do RJAL) pelo que, à partida e, não se tratando de votação por escrutínio secreto, aquele saberá, de imediato, o impacto do seu voto – o que, sem olvidar a imparcialidade e a autonomia a que os eleitos locais estão obrigados no exercício das suas funções, poderia trazer suspeição se o Presidente, posteriormente, invocando a prerrogativa do voto de qualidade, alterasse fundamentalmente o sentido do seu voto, sem qualquer justificação plausível que fundamentasse tal decisão (i.e., tendo votado a favor, votasse posteriormente contra, ou o contrário).

Por outro lado, para que dúvidas não restem, ainda que, na maior parte dos casos, o voto de qualidade corresponda, necessariamente, ao mesmo sentido do voto emitido primeiramente, sufragamos que deverá fazer-se menção na ata lavrada de que foi invocado o voto de qualidade do Presidente, já que dela deve constar um resumo de tudo o que tenha ocorrido na sessão e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas (nomeadamente, as deliberações tomadas, a forma e o resultados das respetivas votações e as decisões do presidente) – cfr. n.o 1 do artigo 34.o do CPA.

No que concerne às deliberações tomadas em 22.12.2023, 26.04.2024 e, mais recentemente, a 28.11.2024, não tendo aquelas sido impugnadas, nos termos do n.o 4 do artigo 14.o2 e do n.o 1 do artigo 154.o do CPA, manter-se-ão em vigor, recomendando-se, no entanto, que a AM Consulente, bem como o órgão executivo, definam em Regimento os procedimentos a adotar doravante em caso de empate.

Conclusão:

  • O voto de qualidade do Presidente permite desempatar o resultado no sentido do voto anteriormente emitido;
  • Nos casos em que o Presidente se abstenha, deverá ser emitido um “voto de desempate”, nos termos do CPA, o que levará, necessariamente, à alteração do sentido do voto do Presidente;
  • No vazio da Lei, deverá o órgão da autarquia local estipular os procedimentos a adotar em caso de desempate – mediante repetição da votação, ou mediante a emissão de “novo” voto de qualidade pelo Presidente, que configurará um voto de desempate.

Sendo tudo o que cumpre informar.

As Advogadas,

(Filomena Girão e Filipa Pereira Silva)